terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobretensões na rede. Quem paga essa conta?


Por Flávia Lima

A presença de perturbações na rede elétrica pode provocar problemas no sistema e danos a equipamentos eletroeletrônicos conectados à rede. De quem é a responsabilidade no caso de queima de aparelhos, da concessionária ou do consumidor? Veja o que a agência reguladora e especialistas dizem sobre o assunto. 


Nas últimas décadas, a quantidade de equipamentos elétricos e eletrônicos nas casas e também nas empresas aumentou consideravelmente e, com isso, cresceu não apenas a demanda por energia elétrica, mas também aumentaram as possibilidades de queima de aparelhos, considerando que estes são cada vez mais sensíveis e ainda não há uma cultura preventiva estabelecida, especialmente, entre os consumidores de baixa tensão.
Soma-se a isso o fato de que não é rara a presença de perturbações na rede elétrica, notadamente das sobretensões, responsáveis por danos a equipamentos do próprio sistema elétrico e eletroeletrônicos conectados à rede.
A Resolução nº 395, da Aneel, regula os parâmetros de fornecimento da energia, que deve empregar as tensões nominais padronizadas: 440 V/220 V em redes trifásicas e 254 V/127 V em redes monofásicas. Grande parcela dos equipamentos brasileiros é projetada para operar com o valor de 115 V / 220 V e tolerância de + 15%, ou seja, funcionando com segurança dentro da faixa de 98 V a 132 V / 187 V a 253 V. Dessa maneira, quando os equipamentos são ligados em rede 127 V e esta atinge valores críticos de leitura (superiores ao limite padronizado), eles passarão a operar fora de limite de segurança e poderão queimar.
A sobretensão pode ser transitória ou permanente e trata-se de uma elevação brusca na tensão do sistema elétrico, que ultrapassa os limites mencionados anteriormente. O primeiro tipo é de curta duração (da ordem de microssegundos) e pode ser provocado por descargas atmosféricas ou por manobras na rede (manutenção, desligamentos de equipamentos por conta de chuvas, chaveamento de circuitos, etc.). Já a sobretensão permanente é de longa duração e consequência de grandes manobras e avarias na rede de distribuição por conta de queda de árvores, ventanias e outros.
A engenheira Maria Jovita Vilela Siqueira, especialista da área de qualidade da distribuidora EDP Bandeirante, esclarece que é considerada como permanente aquela sobretensão que leva mais de três minutos para ser solucionada, conforme padronizou o Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional (Prodist), por meio da Resolução nº 424, da Aneel, de 17/12/2010. Ela conta que a EDP Bandeirante enfrenta este problema porque atende a uma região rural, ou seja, conta com áreas arborizadas que, com ventos fortes, caem e danificam a rede. As reparações costumam incluir desligamentos de equipamentos que, ao serem religados, provocam distúrbios na tensão.
“No Brasil, por ser um dos países que mais sofre com incidência de raios, contamos com uma alta frequência de sobretensões transitórias provocadas por descargas atmosféricas, as quais ocorrem principalmente nas linhas de alta tensão”, explica. Ela conta que a concessionária em que trabalha, por exemplo, atende às cidades de Itaquaquecetuba (SP) e Ferraz de Vasconcelos (SP), que ocupam, respectivamente, 5º e 7º lugares no ranking de incidência de raios do biênio 2009/2010, elaborado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Veja quadro a seguir.
O caso é que o resultado de qualquer sobretensão pode ser a queima de um equipamento e a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estabelece, pela Resolução Normativa 414, de setembro de 2010, as disposições relativas ao ressarcimento de danos elétricos em equipamentos instalados em unidades consumidoras, causados por perturbação ocorrida no sistema elétrico.
O documento menciona que a determinação se dá em virtude da “necessidade de disciplinar o que consta nos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, que asseguram aos consumidores o direito de receber o ressarcimento de danos elétricos em equipamentos, causados por perturbação no sistema elétrico”.
Dessa maneira, o consumidor tem o prazo de 90 dias corridos, a contar da data provável da ocorrência do dano elétrico no equipamento, para solicitar o ressarcimento à concessionária, que, por sua vez, tem o prazo de 10 dias para fazer a verificação do equipamento e mais 15 dias para informar ao consumidor, por escrito, sobre o deferimento ou não do pedido de ressarcimento. No caso de indeferimento, diz o documento, a concessionária, obrigatoriamente, deve apresentar, por escrito, as razões detalhadas da negativa, informando ao consumidor sobre o direito de formular uma reclamação à Agência Estadual conveniada com a Aneel ou, na ausência desta, à própria Agência Nacional de Energia Elétrica. O prazo máximo para o ressarcimento do dano é de 45 dias, contados a partir da solicitação do consumidor.
Os pedidos de ressarcimento podem chegar de forma direta à concessionária ou por via jurídica – quando o consumidor aciona diretamente a Justiça. O superintendente jurídico da Light Serviços de Eletricidade e presidente da Comissão de Energia Elétrica da OAB-RJ, o Dr. Fábio Amorim da Rocha, explica que as ações estão atreladas ao “nexo de causalidade”, isto é, vínculo causal que determina a ligação entre o evento causador e o dano reclamado, para serem ou não deferidas.
Entretanto, mesmo havendo nexo de causalidade, o pedido pode ser indeferido pela distribuidora. Ele conta que, no caso do blecaute que atingiu diversas regiões brasileiras em novembro de 2010, a energia elétrica retornou com sobretensão e um consumidor procurou a concessionária com a alegação de que isto teria provocado um incêndio em seu apartamento. Foi realizada, então, uma perícia pela distribuidora, que comprovou que o fogo que se propagou pela casa teria iniciado na geladeira, cuja ventoinha não funcionou para ventilar o motor, pois estava presa a um resquício de tecido proveniente do pano de prato que estava pendurado sobre a grade que protege o motor do refrigerador. Além disso, de todo o condomínio, apenas aquele apartamento foi danificado. “Nossa análise constatou que se tratou de mau uso do equipamento, sendo assim, não é responsabilidade da concessionária”, alega o advogado. O caso ainda está em tramitação na Justiça.
Na maioria dos casos, os consumidores são ressarcidos, desde que se comprove que o momento do dano elétrico tenha relação direta com a ocorrência de algum evento (sobretensão) na rede. Apenas os pedidos de ressarcimento por danos morais, lucros cessantes ou outros danos emergentes não são acatados pelas concessionárias. Nestes casos, os consumidores devem procurar a Justiça.
Especialistas lembram, no entanto, que o consumidor tem sua parcela de responsabilidade sobre os prejuízos provocados por sobretensões a equipamentos eletroeletrônicos. Isso porque, de acordo com a norma técnica de instalações elétricas de baixa tensão, a ABNT NBR 5410:2004, todas as novas instalações ou reformadas devem possuir proteção contra esse tipo de perturbação. O engenheiro Jobson Modena, especialista em proteção e aterramento, lembra que a simples troca de um disjuntor, por exemplo, pode ser considerada como uma reforma na instalação elétrica e que esta deve então estar em conformidade com a norma técnica e possuir o DPS.
A norma diz que deve ser provida proteção contra sobretensões transitórias com:
a) dispositivos de proteção contra surtos (DPSs);
b) outros meios que garantam uma atenuação das sobretensões, no mínimo, equivalente àquela obtida conforme a alínea a).
Na opinião do engenheiro eletricista, consultor e professor Hilton Moreno, esta recomendação da norma (que passa a ser obrigatória pelo Código de Defesa do Consumidor) deveria ser levada em consideração nesses casos. “Se a norma determina o uso do DPS para proteger as instalações contra sobretensões transitórias, as concessionárias não deveriam indenizar os equipamentos danificados por este motivo”, declara.
Nesse sentido, conforme conta o engenheiro Luiz Fernando Arruda, especialista em instalações de média tensão, algumas concessionárias têm negado o pagamento de indenizações quando se verifica que a instalação em questão não estava em conformidade com a norma citada. O caso é que o consumidor pode recorrer à Aneel quando a distribuidora indefere o pedido de ressarcimento e, quando isso ocorre, a Aneel, quase sempre, determina que a concessionária efetue o pagamento.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Um item pouco observado


Por João José  Barrico de Souza
Durante as discussões sobre a NR 10, no GTT-10, um item muito importante absorveu tempo e criou muito debate. A proposta do texto básico determinava que nas instalações futuras, novas ou reformas (projetos) deveriam ser previstos dispositivos que permitissem, em uma única manobra, desligar um circuito, com ação simultânea sobre todos os condutores vivos e promover o aterramento (equipotencialização com a terra) do circuito de saída. Esse dispositivo deveria ter ainda recursos para aplicação de bloqueio e sinalização.

Após longas discussões, o texto aprovado foi o seguinte:
10.3.5 – Sempre que for tecnicamente viável e necessário, devem ser projetados dispositivos de seccionamento que incorporem recursos fixos de equipotencialização e aterramento do circuito seccionado.
Foi uma linguagem, de certa forma, imprópria para uma norma legal, mas foi o resultado da discussão tripartite e isso foi respeitado.
Passados alguns anos, não vemos nas nossas cidades, na área de distribuição, nenhuma atenção a esse item normativo. Paradoxalmente, fomos encontrar no sul do Estado do Pará, em plena floresta amazônica, uma instalação dentro dos parâmetros estabelecidos pela norma (veja figura a seguir). Parabéns à empresa que investiu em segurança.
Figura 1 – Instalação no sul do Pará em conformidade com a NR 10.
É certo que este item na NR 10 não foi uma invenção do grupo GT-10, mas sim um aproveitamento de uma exigência constante dos manuais de concessionárias quanto à existência desses dispositivos nos postos de entrada , blindados, em média tensão.
Este dispositivo de manobra, nada mais é do que a automatização do processo de desenergização, preconizado e detalhado passo a passo no item 10.5.1. da norma, reservada naturalmente à necessidade de constatação da ausência de tensão. Esse processo de desenergização é resumido em cinco itens de segurança que sintetizamos a seguir:
Alguns fabricantes, atentos a essa nova “exigência” ou recomendação, já que o texto transformou a exigência legal em aconselhamento, desenvolveram recursos em equipamentos existentes em suas linhas de produção, os quais, devidamente adaptados, passaram a oferecer essas funções, citadas na norma, para circuitos de baixa tensão.
É certo que as dimensões desses dispositivos aumentam, ocupando mais espaço nos quadros elétricos, o que não convida à sua utilização e foi com certa tristeza que pudemos observar na última edição do CINASE, em Fortaleza, que um dos expositores, que saiu na frente e desenvolveu esse produto para circuitos de baixa tensão, talvez por um descuido, não o apresentou na exposição.
Uma vantagem desse dispositivo é o estabelecimento de um sistema (alternativo), em que só se consegue reenergizar por meio do mesmo dispositivo, com a movimentação das suas facas ou contatos solidários, da posição de desligado/aterrado para a posição de ligado.
A próxima etapa do CINASE será em Belém (PA). Vamos torcer para que, entre os produtos apresentados pelos patrocinadores, estejam enfatizados também aqueles destinados à segurança dos trabalhadores com eletricidade.